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A política de assistência estudantil em disputa

A política de assistência estudantil em disputa: direito social ou benefícios aos estudantes pobres

Ainda não temos uma política nacional de assistência estudantil nas Instituições Federais de Ensino (IFES). Essa afirmação, embora soe seca e um pouco dura não é vazia, pelo contrário, a expansão de vagas e interiorização das IFES, em especial dos Institutos Federais, nem ao longe acompanhou a necessidade de se construírem políticas sociais voltadas à garantia da permanência dos estudantes. O Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) também não possui tais políticas. Veremos que, em alguns aspectos, as ações de assistência estudantil aqui praticadas são mais restritivas e conservadoras do que as normativas exaradas pelo Ministério da Educação impõe à execução das instituições de ensino. Algumas pistas são imprescindíveis para a elucidação desse debate.
A execução de ações e programas voltados à superação das dificuldades enfrentadas pelos filhos e filhas de trabalhadores nas IFES acompanham a história dessas instituições. No entanto, a percepção da presença de estudantes oriundos da classe trabalhadora transformou-se numa “questão” com a política de expansão das unidades de ensino e a ampliação das possibilidades de acesso desses estudantes. Basta notar que a primeira iniciativa para regulamentar a política de assistência estudantil nacionalmente ocorreu por meio da publicação da Portaria MEC nº 39, de 12 de dezembro de 2007, que criou normas para a implantação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) no segundo governo Lula.
Nessa direção, tal programa é concebido como estratégia central no combate às desigualdades sociais e regionais e, ao ser apreendido no conjunto das políticas sociais implantadas pelos governos petistas, tendem a induzir os desavisados a uma suposta mudança de paradigma. Após o período de implementação de políticas de inspiração neoliberal desde os anos 1990 com o inconteste aprofundamento da “questão social” no Brasil, verificada, inclusive, por todos os organismos multilaterais do capitalismo (Banco Mundial, FMI, dentre outros), estaríamos diante de um novo paradigma com a indução de políticas públicas de combate à pobreza associadas ao crescimento econômico. Em nossa experiência concreta, tais políticas foram muito eficientes na obtenção do consenso junto à classe trabalhadora para a implantação de políticas restauradoras do capitalismo em crise centradas em ações estatais voltadas às garantias de lucro do capital financeiro (nacional e estrangeiro).
Embora o país estivesse passando por um período de expansão econômica, fundamentalmente baseado na alta internacional dos preços das commodities, as políticas sociais e econômicas realizadas na Era petista não promoveram transformações estruturais no Brasil.
Um caso emblemático desse quadro é a facilitação do acesso às IFES aos trabalhadores de baixa renda, também impulsionada pela publicação da Lei nº 11.711/2012. No decurso do processo de expansão da Rede de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a institucionalização de políticas de permanência estudantil foi, no mínimo, negligenciada a começar pelo dispositivo jurídico que referencia a construção das ações. O Decreto nº 7.234/2010 é extremamente restritivo: nele não consta o delineamento de uma política nacional, mas de um programa – o PNAES –, cujas diretrizes comuns de implantação não são postas e não se identificam parâmetros unitários nacionais.
A lassidão institucional se expressa pela omissão dos aportes de financiamento da política (não há um percentual mínimo estabelecido). Além disso, os mecanismos de controle democrático da gestão dos recursos recebidos não são mencionados e, pela ausência de indicações às IFES para a estruturação das ações, cada instituição de ensino criou regulamentação interna própria. Foi o que ocorreu a partir de 2011 no IFRJ.
O Regulamento da Assistência Estudantil aprovado pelo Conselho Superior no mesmo ano toma como ponto de partida uma concepção de assistência estudantil baseada na noção de estudante em vulnerabilidade social e previu ações de transferência de renda, ações socioeducativas e bolsas de mérito acadêmico para o enfrentamento de tais vulnerabilidades. Há nessa concepção de política e ordenamento das ações uma questão de fundamento. A assistência estudantil é um direito social vinculado ao atendimento das condições objetivas de permanência discente nas instituições de ensino.
Na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) esses direitos são identificados como serviços complementares (transporte, alimentação, material didático e assistência a saúde). Trata-se, portanto, de direitos universais a todos os estudantes da educação básica. Não cabe a nenhuma instituição determinar qual discente irá usufruir desses direitos. Entretanto, desde a criação do PNAES, as ações de transferência de renda para o estudante têm sido prioritárias. Essa ação estigmatiza os estudantes trabalhadores e filhos de trabalhadores e subsumi a noção da educação como direito público universal.
A distribuição dos recursos recebidos da rubrica 2994 (assistência ao educando da educação profissional) torna a situação ainda mais grave. Mesmo com os parcos recursos recebidos, muitos campi do IFRJ utilizam esse recurso para financiar as bolsas de mérito acadêmico (monitoria, pesquisa e extensão), o que contradiz um ofício circular da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), cuja orientação é que não se cobrem contrapartidas dos estudantes para serem atendidos nas ações e programas da assistência estudantil. Isto quer dizer que o IFRJ não atende as mais elementares condições de permanência (alimentação e transporte) e desloca recursos dessa rubrica para o pagamento das bolsas de mérito acadêmico.
Por fim, diante da conjuntura de destruição de direitos no Brasil com o ilegítimo Governo Temer e da vigência da Emenda Constitucional nº 95/2016, alguns desafios precisam ser postos ao debate público para a construção de uma política de assistência estudantil: 1) disputa quanto à concepção da política (direito ou ação para os alunos mais pobres?); 2) superação do subfinanciamento (indefinição de percentuais sobre o orçamento das IFES); 3) construção de parâmetros unitários nacionais; 4) criação de instâncias de controle democrático das ações e programas; 5) superação do paradigma da transferência de renda (que imprime a focalização das ações); implantação de políticas de alimentação e transporte como ações prioritárias e universais. A maioria dos campi do IFRJ, não possui uma infraestrutura básica para a garantia das condições de permanência discente. Se mantidas as atuais condições, reafirma-se um quadro problemático no que se refere à violação de um dos direitos humanos mais elementares: o direito à educação pública.

Por Gleyce Figueiredo de Lima. Doutora em Serviço Social. Assistente Social do IFRJ/Campus São Gonçalo.

Foto retirada do site: http://contilnetnoticias.com.br/2015/11/19/audiencia-de-conciliacao-no-tj-discute-ocupacao-das-escolas-paulistas/

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